Questão de Cura

"Questão de Cura"
"Linda pede socorro e faz um desabafo rodeada da família e Rafael. 'Vocês não sabem o que eu sou. A vida toda. Presa. Presa dentro do meu corpo. Presa. É como se tivesse uma parede, parede de vidro entre eu e vocês. Parede de vidro. Vidro. Eu ouvia vocês, mas as vozes não entravam dentro de mim, o sentido das coisas não entrava. O Rafael veio. Quebrou a parede. O Rafael estendeu a mão lá no fundo. E me puxou para cá. Para fora. Socorro, Rafael. Não vai embora outra vez. Socorro. Não deixem o Rafael ir embora de novo. Não quero ficar presa dentro de mim", diz a moça. Vai ser emocionante!!!(Revista TITITI).

A revista em questão assim comentava sobre a futura cena da novela "Amor à Vida".E que causou polêmica,e foi mesmo emocionante,como a revista previra.
Dentre as opiniões divergentes,há pais que se sentiram aliviados e sinceramente agradecidos, pela cena tocante,, ao autor da novela e a sensibilidade com que divulgou o autismo e deu esperança à milhares de famílias nessa situação.
Outros pais,no extremo oposto, sentiram-se absolutamente revoltados e humilhados,como se a cena fosse uma cruel ironia,um tapa na cara,um sarcasmo.Alegam,inclusive-e não sem razão,deixo bem claro-que muitas pessoas vão começar a achar que para curar o autismo,basta dar uma" maçã,um Rafael,e pronto, começa a falar e fica curada"como uma mãezinha aqui do face desabafou.
Antes de mais nada,digo que vi algumas cenas da novela,especialmente às que se referiam a Linda,já que como todo sabe, minha filha está dentro do Espectro Autista.Queria ver não só como Walcyr carrasco iria conduzir a novela-que diga-se de passagem foi um sucesso- assim como seria a reação das pessoas sobre o trabalho com o tema Autismo.
Assisti em especial a cena do beijo.Foi linda e tocante. Algumas outras foram interessantes também,mas a cena do beijo marcou a profundidade do amor que estava nascendo ali,e também da reação da família.
Sem saber de todos os fatos da novela,já que eu não a assisti integralmente-e por isso mesmo sem estar contaminada pela emoção dos que assistiram ao desenrolar dos fatos-quero comentar o que vi.Se eu estiver errada,por favor me desculpem,e deixem seu comentário,se desejar,que como sempre,qualquer opinião é bem vinda(desde que siga as ordens da boa educação e é claro,não incitem a nenhum tipo de preconceito).
Voltando à cena.A mãe estava exausta,achava que a filha(Linda) seria para sempre dependente dela,e oscilava entre querer que alguém assumisse a responsabilidade de cuidar de Linda enquanto ela tinha um merecido descanso;e por outro lado,se sentia roubada e frustrada porque afinal,o Rafael,um namorado que tinha "acabado" de entrar na vida de Linda,e que não havia presenciado e nem sofrido todas as dores daquela família,chegara para usurpar o lugar da mãe,da cuidadora onisciente e onipresente.Ele só ia ficar com a parte boa da "maçã"-a menina estava criada,cuidada,e ele ia receber o "pacote pronto"para chamar de seu.Não parece justo,não é?...
O pai,incentivava a menina a namorar,a encontrar um Caminho,que poderia ser esse Rafael(ou não,o amor é assim..),mas incentivava principalmente a sua mulher,mãe da menina, a deixá-la viver, a ter alguma independência não apenas física,mas também emocional dessa mãe.E ainda dizia que eles não estariam ali para sempre,e seria bom que alguém pudesse cuidar dela,afinal.
No outro polo,surge a irmã,que nunca gostar de ter uma irmã especial,e se encontrava envolvida com seus próprios problemas,acabara de chegar em casa e põe lenha na fogueira,dizendo para mãe que Linda seria machucada pelo Rafael,que só queria se aproveitar dela.E ela e a mãe-devidamente inflamada agora!-vão unidas em busca da verdade,conduzindo uma lanterna-simbologismo para a "luz da verdade" ou seria divagação minha?-e as duas presenciam o beijo,um dos mais lindos e tocantes que vi.Considero essa cena a mais importante de todas,mas ainda que a cena que causou tanta polêmica.
Pelo que eu entendi ninguém usou a expressão CURA,assim explicitado.A menina fez um desabafo e abraçou a família,e foi só.Mas disse que estava presa dentro de si,dentro de um vidro,e que não conseguia tocá-los,e agora iria conseguir,porque Rafael quebrara isso...
Ora,lembrem-se que antes de mais nada essa é uma obra de ficção.Pode inclusive não ser a expressão fidedigna dos fatos,mas ser a forma de traduzir a expectativa da sociedade e os desejos do autor e seria bom,muito bom mesmo,que nossos filhos autistas pudessem um dia dizer aquilo que sentem,como a personagem conseguiu.E conseguissem também o amor,e ter uma família,e que nós não tivéssemos que secretamente,olharmos para eles a cada ano que passa,e temer pelo futuro deles,e por alguém que cuide deles quando nós,pais e mães,já não mais pudermos.
Simplesmente não há tempo suficiente para que um autor discorra sobre todos os passos do autista(ou de qualquer outro tema polêmico)para que dê detalhes como:retirar a fralda de uma criança autista e sem contato visual e entendimento do próprio corpo;Entrada e permanência na escola,e seus sub temas: bullying,coleguismo,adaptação necessária,inclusão etc...todos pertinentes e altamente estressantes para todos os envolvidos,e etc...
Imagine criar uma obra dessa extensão.O tempo para uma novela é reduzido,e torna-se necessário dizer muito em pouco tempo.Além disso,o que esperavam os espectadores?Que a menina fosse ser realmente abandonada pelo Rafael,humilhada e denegrida,e que os temores da família se concretizassem, é isso?
Mas-posso ouvi-los dizer-é exatamente a realidade.Então vejamos.Nós pais de autistas desejamos que a sociedade preconceituosa e elitista venha até nós e nos diga por fim,-"viu,essa é a realidade,um autista é um peso morto,eu vi na novela,eu não sei porque vocês ainda insistem em ter sonhos,esperanças e buscam tratamentos para algo que não tem futuro,e será sempre assim".É esse final que queríamos?mesmo?
Lembro-lhes ainda,de Temple Grandin,e tantos outros autistas,que superaram suas dificuldades,e alguns até casaram e constituíram família-e ainda foram capazes de relatar com frases soltas,não muito complexas-próprias de alguém que lida com dificuldade com o significado das palavras,como os autistas-como se sentiam quando não conseguiam se comunicar.
Minha filha está no espectro autista.Brinca,conversa,e compreende o mundo de uma forma bem particular.Nem sempre entende ironia,por exemplo,e outras sutilizas das nossos emoções,mas vem aos poucos encontrando formas próprias de adaptação.Por conta disso,criei para ela a coluna "Coisas de Lorena"em que ela se apropria de informações e sentimentos de forma muito original e até engraçada,algumas vezes.Ela é importante,segura de si,e relativamente autônoma.E,ainda assim,me angustio com a nova fase que ela vive:agora ela quer ir sozinha para escola.Devo deixar ou não?Me debato horas a fio,pensando nisso.Imagino que vocês também,ou já viveram,ou ainda passam por esse Caminho de descobertas...Esses são os "autistas mais leves"-o que são capazes de interagir com os outros e no meu entender,são os mais difíceis de lidar-porque criamos expectativas,porque queremos que eles venham a ter uma vida o mais próxima do normal possível.Existem autistas que não falam,que não expressam emoções,e que poderão vir a alcançar ainda algum progresso-ou não,e isso é difícil precisar,pela própria dificuldade do quadro-e que por isso que continuamos acreditando,levando para tratamentos multidisciplinar e ignorando quando parentes bem intencionados ou amigos dizem penalizados"Mas porque você
ainda insiste?Ela(ele)não tem futuro."Eu já respondi isso-porque já ouvi essa pergunta dita assim mesmo,com essas palavras-de que sim,minha filha tem futuro.Ela ,um dia ,também criará asas e deixará o meu ninho.Porque não sou eterna,mas ela terá ainda muita VIDA pela frente.Se Deus quiser"
(Michelle Paranhos)

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