[Resenha] Por amor eu te benzo, eu te curo, eu te livro

 

Um resgate cultural. O livro Por amor eu te benzo, eu te curo, eu te livro-As benzedeiras de São Paulo de Viviane Ferreira Santiago é uma obra que alterna entre ficção e jornalismo. Por uma lado, a narrativa da história de Tales, entremeados com textos jornalísticos da história das benzedeiras da estado de São Paulo. Vamos conhecer o livro?












Autora: Viviane Ferreira Santiago

Número de páginas: 120 páginas

Edição: Telucazu edições em co-edição com  Alcaçuz edições.

https://kondo.lojaintegrada.com.br/por-amor-eu-te-benzo-eu-te-curo-eu-te-livro-viviane-ferreira-santiago

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O livro Por amor eu te benzo, eu te curo, eu te livro-As benzedeiras de São Paulo inicia-se com os versos de Dona Cila como epígrafe a nortear o sentido dessa trama contada em dois tempos.

Intercalando relato autobiográfico e textos com cunho jornalístico-os registros , no total de sete, sempre ao final de cada capítulo-, vamos conhecendo a trajetória de Tales e sua mãe Hilda. Hilda, cansada de lidar com as constantes dores de garganta do filho, recorre à irmã Cida, que mora longe , através de uma carta, onde aflita conta sobre o padecimento do menino. 

Cida  indica um ritual e também uma benzedeira. O ritual é simples, plantar feijões e quando este desse fruto, então o menino deveria comê-los.

Tales, sem nada a saber sobre ritual e sendo menino novo, ao ver o feijão que a mãe plantara num chumacinho de algodão no interior de uma xícara de asa quebrada, resolve plantar na terra com as próprias mãos o feijão, regá-lo e em pouco tempo, o feijão dá os frutos.

A mãe manda que ele envie a carta para a tia, mas diz que é para ele não ler o conteúdo da carta, onde conta que o feijão deu frutos e perguntando do que deveria fazer em seguida.

 Desobediente, o menino lê e é quando sabe do ritual e a finalidade dos feijões,  passa a esperar pelo dia que comerá o feijão. O dia chega e , sem coragem de contar que havia lido a tal carta, toma a sopa de feijão enquanto percebe que a mãe recita baixinho uma prece:

"Eu te benzo pelo nome que te puseram na pia, em nome de Deus e da Virgem Maria, e das três pessoas da Santíssima Trindade, eu te benzo. Deus, Nosso Senhor, que te cura, Deus que te acuda nas tuas necessidades. Se teu mal é quebranto, mal invejado, olhos atravessados ou qualquer outra enfermidade, se te deram no comer, no beber, no sorrir, no zombar, na tua formosura, na tua gordura, na tua postura, na tua barriga, nos teus ossos, na tua cabeça, na tua garganta, nas tuas lombrigas, nas tuas pernas. Que Deus, Nosso Senhor, que há de tirar, vem um anjo do céu, deita no fundo do mar onde não ouça galinha e nem galo a cantar".

O ritual surtiu efeitos por muitos dias, até que veio uma nova crise, tão forte , que Tales precisou ser internado. E é quando, pela primeira vez, a mãe resolve recorrer à uma benzedeira para rezar Tales. Uma benzedeira que até famoso ia se consultar , dona Zefa, e que ficava em Belenzinho,em São Paulo mesmo. A peregrinação de Tales está apenas começando.

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O ritual do benzimento parece algo simples à primeira vista, mas envolve além das rezas,outras ferramentas e preparos que as benzedeiras , primeiro olham para o doente, seja do coração, do corpo ou da alma, e fazem um "diagnóstico", para além das rezas, fazerem uso de certos chás ou banhos. Quando volta a doer ou o queixoso a sentir as dores do coração, é que foi novamente vitima do olho gordo,ou o quebranto.O que seria o quebranto?

No dicionário das benzedeiras,esses são alguns termos comuns:

  •  Susto: é um mal de ordem emocional, quando uma criança leva um susto e não consegue dormir à noite;
  • Bichas atacadas: é um mal de ordem física, podendo ser vermes ou lombrigas;
  • Peito aberto: é um mal de ordem física, como dores na região do tórax;
  • Quebranto (ou mau olhado): é um mal de ordem espiritual. Em criança, é aquela que não dorme direito ou dorme com os olhos abertos. Em bebês, é aquele que só chora. O quebranto funciona assim: quando as pessoas ficam admirando a criança - ‘Ai, que bonitinha!’-, as próprias pessoas da casa enchem a criança de quebrante. É um tipo de mau olhado;
  • Rendidura: é um mal de ordem física, geralmente dores musculares e lesão por esforço;
  • Cobreiro: é um mal de ordem física. O cobreiro é identificado por pintas avermelhadas e pequenas bolhas de água na pele. Essa inflamação se apresenta principalmente nas costas, causando forte ardência.
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O benzimento 

Traçando um paralelo entre a trama de Tales com a peregrinação de Dona Hilda, que procura uma benzedeira a cada nova dor do filho, agora já um adolescente às voltas com a dor do coração e primeiro amor, vamos conhecendo mais sobre a função das benzedeiras, com especial atenção às benzedeiras de São Paulo. 
Os instrumentos utilizados, os dias do benzimento e tudo aquilo que envolve a mística dessa medicina popular, que é feita por mulheres e passado de geração em geração.

 "Um benzimento ganha forma com um conjunto de orações e ferramentas simbólicas, como galhos de plantas, facas, agulhas, linhas e tesouras. Também são evocados complementos de ritos: extração de chá de ervas, garrafadas e banhos com emulsões de princípios naturais. As benzedeiras fazem ações para diversos intuitos: proteção de casas, de crianças, de animais, de relacionamentos; proteção do corpo, da mente e do espírito; cura de asmas, de dores na cabeça, nos ossos, nas costas, e até nas vistas."

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Bem Imaterial 

As benzedeiras levam tratamento, consolo e , até mesmo cura, para regiões carentes e , por isso, há um movimento para tornar  memórias e saberes de indivíduos que detém um conhecimento muito significante de contribuição para a preservação e  valorização das práticas de benzedura, sendo que esta é considerada um patrimônio imaterial pelo IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
 A partir do decreto 3.551/2000 do IPHAN, o ofício de benzer foi reconhecido como cultura imaterial, o que fortaleceu ainda mais a existência dessas práticas, pois muitas benzedeiras sentiam-se desconfiadas e inseguras perante as suas comunidades fato que vem mudando após os registros realizados pelo IPHAN.

Tales cresce e se torna um escritor e conta a própria história em uma relato autobiográfico revelando não só a sua trajetória como a presença da benzedeiras em sua vida e na história de São Paulo.
"O benzimento é uma das práticas mais antigas de que se tem conhecimento pelos historiadores e antropólogos no Brasil. Em solo brasileiro, as benzedeiras surgiram a partir do século XVII. Estabeleceram-se juntamente com os imigrantes que colonizaram o país. Mas, antes de sua chegada, os índios, já constituídos, praticavam seus rituais de benzeção e cura através de ervas e orações em sua própria linguagem. Uma prática com embasamento religioso que, mesmo sem estudo teológico e teórico aprofundado.(...)As benzedeiras de São Paulo, bem como outros grupos já tidos como parte de um patrimônio imaterial reconhecido pelas instituições responsáveis, assim o são por trazerem práticas reconhecidas por outros membros de sua comunidade."

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Benzer na música, benzer na literatura, benzer na vida.

A epígrafe de abertura é esse belíssimo verso de Maria Gadú:

 “Quando ela chegar tu me faça um favor dê um banto a ela que ela me benze aonde eu for” 

 A música completa,Dona Cila , uma composição de Caetano veloso em parceria com Maria Gadú, no vídeo abaixo, na voz de Maria Gadú:

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Gostaram? Leiam a obra e não se esqueçam de deixar seu comentário sobre essa resenha.

Michelle Louise Paranhos 


Comentários

  1. Ótima resenha. Fiquei curiosa em relação a história. Parabéns pela divulgação. ❤️❤️

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