Carta de mãe para o filho que nunca tive.
Carta de mãe para o filho que nunca tive.
Recebi uma carta do projeto social informando a idade do
menor e nome completo acompanhado de sucinta carta de boas vindas e apresentação.
Nome: Luiz Fernando; idade; treze anos.
Nenhuma característica física, ou pessoal... Perfil? Não, nenhum-
apenas nome e a idade.
O que de fato existia na carta era a extensa lista de
recomendações para os voluntários, composta de duas listas, uma delas
visivelmente maior que a outra.
A lista maior correspondia àquilo que não poderia acontecer e
a menor enumerava o pouco que poderia existir na futura relação.
*Não poderá, em hipótese alguma, entrar em contato sem a
intermediação do psicólogo do projeto;
*Se aceitar ser correspondente do menor, você terá que
durante o ano enviar uma carta ao menos, por mês, no prazo de um ano.
*Não poderá enviar fotos evitando algum possível risco para
ambos e não será permitido saber em qual abrigo o menor se encontra.
Ao final, a proposta: Você aceita?
Luiz Fernando apareceu na minha vida por acaso.
As primeiras cartas não poderiam ser chamadas assim. Não
havia local ou saudações iniciais, parágrafos, nada. Somente um amontoado de
palavras inelegíveis, um rabisco numa folha de papel.
Eu não tinha diante
de mim uma carta-considerei; Mas eu precisava construir uma relação a partir
desse não ser, da absoluta falta, de um nada.
Uma relação sugere uma troca, certo? O que ele teria para me
oferecer em troca?Quem ele era?Parti do principio de que ele era alguém que não
sabia ser; iríamos, portanto, construir uma identidade juntos... Quem sabe?
Escrevi uma carta contando quem eu era.
Outra carta.
Longas cartas, em que
expus meus sonhos, meus anseios.
Sentia-me falando
sozinha: Quinze dias após eu enviar as resposta chegavam, sem jamais responder às mais simples perguntas.
Não havia continuidade, não havia relação.
Pensei em desistir.
Persisti.
Meses depois recebi
um desenho.
“Fiz pra você, amiga”.
O prazo final esgotara-se.
Fim de um ano.
A psicóloga ligou para meu telefone e sem rodeios, falou que
o projeto havia sido bem sucedido. Ele havia finalmente rompido a barreira
inicial e conseguia se comunicar.
Portanto, o projeto seria mantido e renovado por mais um
ano.
Um dia soube de seu sonho: ser massagista. Começou curso de informática,
passou de ano na escola! Recebi muitos desenhos, mensagens, cartas. Um dia ele
foi passear com amigos no parque, era dia das crianças, um projeto especial do abrigo.
-”Os tios e tias
organizaram brincadeiras, amiga, e eu ganhei presentes. Recebi sua carta”.
Comprei-lhe brinquedos, livros, enviava tudo pelo correio. Ele
foi crescendo, começou a falar de empregos e que um dia iria ter a própria família...
Ele perguntava dos meus filhos e eu respondia.
”-Como é ter um família?”
Nenhum assunto seria banal para nós:
Filhos, passeios, dia
-a –dia de trabalho – eu apresentava um mundo comum para mim e desconhecido
para ele.
Longos cinco anos se passaram; a cada ano o projeto era renovado.
Se na primeira vez
recebi a prorrogação do projeto com surpresa, nos anos seguintes a renovação acomodou-se
na rotina harmoniosa do tempo.
Um dia recebi aquela que seria a última carta.
Era uma carta nervosa, como a primeira, quase nada
havia escrito ali.
O jovem de dezoito
anos incompletos retornara a ser o menino assustado e que em poucas palavras, narrava
o medo. Eu escutei seu medo.
Afoita, liguei para o Instituto.
A psicóloga que acompanhara o desenrolar de nossa relação fora
substituída por uma nova voluntária que precisou se inteirar do caso e disse
que retornaria a ligação em seguida.
Diante de meus apelos aflitos, ela buscou a cópia da carta-
contou.
“- Nada ali sugeriu algo grave”- ponderou.
“eu sei, o conheço,
ele tem medo!”.
Ela disse a verdade, então:
- Nada posso fazer. Ele foi desligado do projeto. Luis Fernando completou dezoito anos, são as
regras.
E completou:
“-Sinto muito”
Meu filho do coração partira,
e eu não pude dar-lhe adeus.
Nunca mais soube noticias dele. Por falta de verbas e apoio político,
o projeto foi cancelado, recriando Órfãos.
Quantas crianças em situação de vulnerabilidade social-
crianças há quem um dia lhes fora retirado a família original agora estão sem direito
de ter suas mães por um ano- ou até mais, como no meu caso e de Luis Fernando.
No dia das mães desse ano e pelos longos cinco anos
anteriores, eu estive cercada de meus filhos biológicos.
Porém a cada dia e especialmente em dado momento do dia festivo de cada ano, meu
pensamento parte de encontro a ele.
Não posso dar-lhe uma forma, seu rosto não existe em minha memória.
Não conheço sua voz, e pouco mais que isso e sei dele alguma coisa.
Acredito que meu amor possa encontrá-lo, porém, e levar até ele,
todo meu amor.
Olá!
ResponderExcluirEu adorei seu texto. Ele tá muito bem escrito e carregado de sentimentos sinceros. Além disso, aborda uma relação que acho muito bonita e que está em falta hoje em dia.
Só posso te dar os parabéns :)
Abraço!
Obrigada savio.
ExcluirIsso foi caso real não foi ficção. ..por isso é assim carregado de sentimentos.
Espero que ele esteja bem ...
Meu maior Desejo.
Nossa, Michelle, agora fiquei arrepiado. Espero que você consiga encontrá-lo e transmitir a ele todo esse amor que está guardado em seu coração. Vou ficar torcendo por vocês de verdade.
ExcluirBeijos!!
Oi.
ResponderExcluirAdo o projeto. Pena que não exista mais.
Espero que ele esteja bem e que você o encontre algum dia.
Seu relato tornou ainda mais forte meu desejo de adotar uma criança.
Beijos.
Obrigada por seu comentário. Espero que adote sim uma criança...mas se puder fazer um pedido de"mãe" olhe para aquelas crianças que viveram a vida inteira num abrigo sem saber o carinho de uma mãe, um toque, um boa noite...Dê amor para elas...e para outros tantos " Luis Fernando" que existem em cada abrigo. Muito obrigada !
ResponderExcluirOi. Tudo bem?
ResponderExcluirNossa, que história bonita. Fiquei pensando como deve ser complicado passar tantos anos se corresponde com uma pessoa que não conhece e do nada perder o contato. Apesar da distância, dá para ver que existiu amor envolvido nessa relação. Muito bonito, mesmo. E mais do que isso, a história serve como fonte de reflexão. Simplesmente, amei. Parabéns.
Abraço!
Obrigada Leandro. Foi muito complicado sim, foi muito sentimento envolvido , espero que mais pessoas pensem em como é dificil passar toda a vida no abrigo. Que mais crianças mais velhas e adolescentes possam ser adotados é o que desejo. Rezo sempre por ele. Ele sempre terá meu carinho.
ExcluirNossa, que texto forte, intenso, me deixou muda, com um forte temor na garganta de algo que quer sair, mas só o faz em formato de lágrimas. É real?
ResponderExcluirO mais curioso disso tudo é que tenho me organizado para adotar uma criança, pensar nisso tudo me deu medo, não da adoção, mas da não adoção.
Olá! Que texto bonito e a mensagem que transmite. Complicado mesmo quando um lanço é formado e depois rompido, e não se tem mais noticias. O projeto realmente era muito bonito. Que bom você compartilhar essa experiência no blog, super bjoooooo
ResponderExcluirQue texto profundo!
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