Autismo e psicopatia:Qual a diferença?
Olá ,leitores da coluna, excepcionalmente hoje, quarta feira, estou trazendo para vocês a reflexão de um tema bastante relevante e atual: o autismo, e o que difere esta síndrome de outras doenças mentais.
Há alguns dias, um jovem chamado Adam Lanza, nos EUA, invadiu uma escola de crianças na faixa etária de 5 a 10 anos e executou quase todas as pessoas presentes naquele momento na escola, isso após ter matado sua própria mãe, que era professora da instituição escolar, em sua residência ,e como o assunto é recente, ainda continua sendo investigado. Bem, até este momento, apesar de trágico, é algo que, infelizmente, ocorre com frequência naquele país, por motivos não bem esclarecidos: pessoas comuns que de repente, sem nenhum motivo prévio, se tornam franco atiradores, ou mesmo serial killers , e executam inocentes, e na maioria das vezes, também cometem suicídio.
<br>A grande repercussão do caso , porém , que tem trazido discordâncias ,e abaixo- assinados com pedidos de retratação pública, ocorreu quando fontes policiais nos EUA, disseram que ele teria problemas mentais, provavelmente Asperger, e uma psicóloga ,através de um programa televisivo de emissora de grande audiência, aqui no Brasil, comparou autismo à psicopatia, acirrando ainda mais os ânimos, já tão exaltados, de pais de autistas e/ou outras síndromes.
Para entendermos o que significa tudo isso, precisamos definir o que quer dizer autismo, Asperger, Psicopatia e a diferença entre esses quadros.
Qualquer que seja a síndrome, porém, o diagnóstico de síndrome implica em vários quadros patológicos, cada um com uma sintomatologia específica ,mas que podem estar coexistindo em um paciente, com um mesmo denominador comum, isto é, alguma alteração, geralmente genética, desencadeia uma quantidade significativa de distúrbios diferentes entre si, de acordo com o órgão atingido. Se, por diferenças individuais , a pessoa com a síndrome tiver uma fragilidade maior na pele, por exemplo, a síndrome na região cutânea se manifestará em maior intensidade naquele órgão, daquela pessoa em particular. Assim , pessoas diferentes podem ter manifestações diferentes de uma mesma síndrome, o que não significa que tenham quadros diferentes, certo? E mesmo na pessoa em questão, com o passar do tempo, o comprometimento e funcionalidade dos órgãos em geral podem alternar quanto à manifestação e intensidade , e ainda assim, a síndrome que origina o quadro geral permanece inalterada, tendo modificado tão somente sua manifestação externa, ou ainda, dependendo do caso-as síndromes diferem entre si neste aspecto- progredido em razão de quadros degenerativos.
Tendo isso posto, vamos entender, ainda que com uma breve descrição , o que é o Autismo.
O espectro Autista é um termo comumente usado para este quadro, ainda sem um fator desencadeante definido, embora alguns creiam em alterações genéticas e/ou ambientais estejam envolvidas.
É um conjunto de sintomas: são pessoas geralmente do sexo masculino-embora ocorra também no sexo feminino numa proporção menor,mas isto também está sendo questionado-pouco sociáveis, ou que rejeitam qualquer aproximação social, geralmente não possuem manifestação de empatia, não demonstrando perceber o sentimento dos outros nem seus próprios, embora, evidentemente, não compreender ou não expressar, não significa não sentir...Apresentam dificuldades efetivas com a linguagem, ou mesmo não falam absolutamente nada, embora não tenham nenhum distúrbio físico que as impeça de falar, apenas não se sentem motivadas a isso.
Existem também as esterotipias , comportamentos, às vezes bizarros que costumam manifestar quando sofrem algum stress, físico ou mental(o que claramente demonstra que sim, eles são capazes de perceber o mundo a sua volta, mas não tem ferramentas para adentrar nele e interagir ,efetivamente;Exemplos de estereotipias: girar em torno de si, ao mesmo tempo que com os braços esticados lateralmente, simula o voo de um pássaro. Ou rodar objetos repetidas vezes...Outros tem distúrbios alimentares e de repente passam a rejeitar alimentos sólidos, ou aceitam apenas um tipo de alimento...
Quando minha filha apresenta tais esterotipias, ela geralmente pede feijão cozido, puro e gelado, do café da manhã ao jantar, por dias seguidos... ao final do texto disponibilizarei alguns artigos em bibliografia para quem desejar se aprofundar no assunto. O mesmo farei após a descrição dos outros quadros.
Em dezembro de 2012, a American Psychiatric Association aprovou o DSM-V, onde a Síndrome de Asperger desaparece como diagnóstico distinto, passando a estar incluída no autismo. Até dezembro deste ano(2012), era considerada uma síndrome diferente, mas agora está enquadrado no Espectro Autista.
A principal diferença que a mantinha até então numa categoria diferenciada era o fato de que os Asperger não terem dificuldades significativas com a linguagem, e muitos terem desenvolvimento cognitivo normal ou até mesmo de altas habilidades ( ou síndrome de Savant).
Bem, agora ficou confuso? Sem dúvida, realmente é difícil explicar...apesar de tão estudado, o autismo ainda é um mistério para profissionais da saúde, educadores e os próprios autistas, que se sentem estranhos dentro deles mesmos, e não é incomum, referirem-se a si próprios utilizando-se da terceira pessoa da conjugação verbal , como se nos revelassem que eles mesmos se enxergam pessoas diferentes do que aquilo que demonstram ser...Ouso dizer, embora eu não tenha nenhuma comprovação científica que justifique, que a ecolalia, característica que muitos autistas, especialmente Asperger apresentam, é uma tentativa de repetir o que foi dito, para procurar perceber e apreender o sentido de cada palavra, cada entonação, já que entendem tudo de forma literal, sem compreender metáforas(ou comparações), ironias e outras questões de natureza semelhante no uso comum da nossa Língua, as chamadas figuras de linguagem.
Quando lecionei para alunos da pré-escola, um aluno meu, que chamaremos de M. para preservar sua identidade, apresentava ecolalia(fenômeno em que palavras ou frases completas são repetidas, até com a entonação que foi proferida, tal qual um gravador ,minutos ou mesmo dias após serem ouvidas e ocorrem especialmente quando uma pergunta é feita ao indivíduo autista).Assim, como a criança era muito pequena-tinha 4/5 anos na época-ainda sem diagnóstico ,sequer havia passado por algum profissional da saúde mental, ou mesmo neurologistas, não podíamos afirmar com 100% de exatidão de que ele fosse ou não Autista.
Porém, apresentava sintomas sugestivos, e eu ,enquanto sua professora, o observava com atenção. M. não compreendia instruções simples, do tipo ”desenhe sua família” ou conversava naturalmente com outras crianças, e permanecia isolado, sem sequer parecer triste com isso. No intuito de integrá-lo, frequentemente tentávamos, eu e a auxiliar, com que ele interagisse com as outras crianças, sem forçá-lo, evidentemente e ,assim, na primeira oportunidade ele se isolava.
Porém, ele falava, mas não se comunicava, o que são coisas distintas: você pode falar algo sem expressar nenhuma ideia concreta. Geralmente quando eu ou a auxiliar perguntávamos “M. você quer suco?” durante a merenda, ele repetia a frase, sem responder, com a mesma entonação, sem sequer fixar o olhar em nós, outra característica comum a autistas. Quando respondia, jamais falava o termo eu, referindo-se a si mesmo como M.Com a frequência e a intensidade de outros sinais sugestivos, o encaminhamos primeiramente à psicóloga escolar, que confirmou as suspeitas iniciais e optou por uma intervenção na saúde mental. Antes do final do ano, após intenso trabalho em que repetíamos diariamente (mesmo sem expectativa de sucesso) a cena do suco, ouve um dia em que ele respondeu apenas: quer suco! ” Porém, os pais mudaram de cidade após esse encaminhamento (não posso afirma qual o motivo da mudança) e não confirmaram nem excluíram a hipótese de procurar auxílio médico e terapêutico para o filho na cidade em que iriam morar.
Quanto a essas dificuldades de compreensão da linguagem, tenho exemplos simples, e até com certa dose de humor, para servir de ilustração e melhor exemplificação da grande dificuldade que eles tem de percepção, interação e compreensão da linguagem como um todo. Um deles aconteceu quando eu conversava despretensiosamente com meu filho mais velho, que me presenteara com um perfume... Atenta à conversa, como podemos perceber posteriormente, Lorena brincava por perto. Contudo parecia que minha filha estava distraída e nada entendia do que estava sendo dito... então , eu agradecia feliz ao presente e comentava “que o perfume era muito gostoso, e o melhor é que não era doce”, numa frase perfeitamente entendida em sentido por meu filho, mas não pela Lorena, minha pequena filha, que está no espectro autista. Alguns dias antes (fazemos aniversário com espaçamento de alguns dias ,e ambas gostamos muito de perfume) eu a havia presenteado com uma colônia ,de uma marca infantil, cujos desenhos em sua embalagem são em conformidade com o mundo marinho. No perfume dela havia o desenho estampado de uma sereia menina, cercada de conchinhas numa praia.
Bom, voltando à narrativa, quando eu disse a frase sobre o perfume que eu ganhara, Lorena disparou por entre nós dois, em direção ao armário onde ela guardava sua colônia, trouxe até nós, e numa doce atitude questionadora, sai com essa: ”E o meu perfume, é salgado?”
Ela mesma não soube explicar-me o que quis dizer com a frase; Dessa forma, posso apenas traçar conjecturas: Salgado referia-se ao desenho do mar, e a água salgada? Ou salgado seria o contrário de doce, em seu precário conhecimento sobre variados sabores e ela assim queria saber se o perfume era doce ou salgado? Neste caso, ela teria entendido literalmente a expressão a que me referi ao utilizar o termo “gostoso”?E se ser salgado significa que não é "gostoso"?
Lembrando de que a conheço muito bem, é claro, percebi como é complicado fazer um diagnóstico psicopatológico em poucas sessões por qualquer especialista que não conhece a história prévia da criança, e sequer possui entendimento sobre seus hábitos, seus interesses, sua visão de mundo, reações comuns às situações e sentimentos positivos (como o amor) e negativos (como a frustração), já que sintomas semelhantes podem ,ao mesmo tempo ser o diferencial entre patologias tão díspares quanto autismo e psicopatia.
E porque houve esta confusão entre psicopatia e o autismo? No que se assemelham e no que diferem?
Então , vejamos.
Quando a síndrome de Asperger foi definida por Hans Asperger, em 1943,primeiramente ele classificou-a como “Psicopatia Autista” colocando o autismo como um sintoma de psicopatias infantis, como transtorno esquizoide da infância, termos que hoje caíram em desuso. Somente em 1981 é que a Síndrome de Asperger passou a ser conhecida assim(, e internacionalmente somente em 1990),pois foi em homenagem feita por Lorna Wing para Hans Asperger que a síndrome passou a ser reconhecida como tal.Somente em 1994 é que esta síndrome passou a ser reconhecida pela DSM,em sua quarta edição.
Sendo assim,não é de se estranhar de todo que alguns especialistas ainda questionem ou não aceitem ver o Asperger como uma categoria separada da psicopatia,embora um estudo mais aprofundado do quadro e atualizações constantes permitiriam que eles confrontassem os quadros e percebessem características conflitantes entre si.
Psicopatas são pessoas que percebem,interpretam e interagem com o mundo á sua volta,embora de forma manipuladora e fingindo uma empatia na intenção de conquistar domínio,pessoas e situações,a fim de alcançar objetivos previamente delimitados por ela,para satisfação pessoal. Pessoas psicopatas não se sacrificam voluntariamente por ninguém, mas podem simular empatia, e fazer favores, para depois exigirem sacrifícios do outro em pagamento, por exemplo. São pessoas carismáticas, sociáveis, narcisistas, vingativas e rancorosas. Porém,como ressaltei anteriormente,vários sintomas se confundem e fazem parte de patologias diversas,necessitando de um olhar mais apurado,que uma breve visualização de situações e pessoas não são capazes de diagnosticar.Assim, todo psicopata é um narcisista,mas nem todo narcisista é um psicopata,a recíproca NÃO é verdadeira.
Psicopatas são pessoas cruéis, em toda a extensão da palavra, que utilizam da premeditação e inteligência em benefício próprio, podendo demonstrar empatia se for extremamente necessário para obtenção de algum benefício, mas assim que cessa a motivação, percebe-se que a empatia não passou de simulação de sentimentos que na verdade são incapazes de sentir e manipulação de sentimentos alheios. Possuem pleno entendimento de que fazem mal a outrem, mas simplesmente não se importam. Autistas, ao contrário, não são capazes de demonstrar afeto, ou estabelecer contato social, interagir com seus pares, dialogar ou premeditar estratégias, ainda que sejam necessárias para estabelecer relações ou conquistar algum benefício. São na maioria das vezes muito inteligentes, mas não sabem utilizar dessa inteligência em benefício próprio.
Por isso, nem os guardas, nem mesmo especialistas ousariam afirmar numa breve visualização do fato que essa ou aquela pessoa seria ou não um autista ou um psicopata, somente um estudo mais apurado pode minimizar dúvidas e estabelecer diagnósticos com um mínimo de precisão aceitável, mesmo porque um psicopata, independente da idade que tenha, pode simular características de outras patologias para obter benefício próprio. Não é incomum, infelizmente, que pessoas que vivem nas ruas pedindo esmolas, por exemplo, especialmente em datas festivas como o Natal que se aproxima, simulem sofrerem de alguma deficiência física para causar piedade. Nem bem recebem o donativo, e são capazes de tirar o óculos-quando simulavam cegueira, ou mesmo largar as muletas ou se levantarem da cadeira de rodas, quando simulavam deficiência física,ainda que na frente da pessoa da qual recebeu o donativo,numa atitude desafiadora.. Daí a achar que todos os deficientes físicos que pedem esmola são simuladores e psicopatas, é um preconceito motivado por generalização.
Não pretendo aqui discutir as motivações desta mazela social (pedir esmolas)gerada pela pobreza, apenas mostrar que existem psicopatas em todas as camadas sociais, de todas as idades e sexos. Algumas dessas pessoas podem ser psicopatas? Sim, claro ,é um erro comum e perigoso achar que psicopatas são apenas aqueles que matam e ferem fisicamente outras pessoas. E assim como as demais doenças mentais, existem variados graus de manifestação de psicopatia, da mais leve até forma mais grave, embora somente a forma mais grave seja mais divulgada, porque traz prejuízo á sociedade.
Finalizando, deixo com vocês uma bibliografia e indicações de filme e trailer de filme que debatem o autismo e sua substancial diferença com relação a psicopatia e outros transtornos do desenvolvimento.
Escrito Por Michelle Louise Paranhos
Fontes web:
Síndrome de Asperger:
http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADndrome_de_Asperger
Hans Asperger:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hans_Asperger
Trailler official do filme Mary e Max-Uma amizade Diferente(legendado)
http://www.youtube.com/watch?v=KPULUwu0Wm8
Autismo -Dr.Drauzio Varella:
http://drauziovarella.com.br/doencas-e-sintomas/autismo/
Autismo:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Autismo
Síndrome de Savant:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Savantismo
Pisicopatia-transtorno de personalidade antissocial:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_de_personalidade_antissocial
Consulta sobre a polêmica sobre autismo e psicopatia:
http://lagartavirapupa.com.br/blog/
Bibliografia:
“Distúrbios de Aprendizagem e Comportamento”. -Lou de Olivier, Wak editora,2006 3° edição
“Autismo Infantil- O que é e Como Tratar” -Pierre Ferrari, Tradução Marcelo dias Almada, São Paulo, Editoras Paulinas,2007
Escrito por Michelle Paranhos ,originalmente para minha coluna em http://www.acd-tv.org/colunamichellelouise.html
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